Todos sabemos alguma coisa. Ainda que não nos demos conta disso. Pretendo articular aqui uma questão importante: a função da ignorância. Há um preceito jurídico que diz que a ignorância da lei não torna o sujeito isento dela. A lei está articulada, é o sujeito que precisa ir ao seu encontro.
Não querer saber é uma função psíquica antes de tudo. Há algo em nós que trabalha no sentido da manutenção da ignorância. Muitas coisas são e estão claras, evidentes e mesmo assim não as enxergamos, não as reconhecemos. É isso que em mim trabalha para deixar como está aquilo que poderia sofrer alguma alteração.
Costumo dizer que os sofrimentos humanos são decorrência da ignorância. Sofremos por ignorar a verdade subjacente aos aspectos de nossas vidas. Isso pode bem ser observado nos relacionamentos e em uma série imensa de fenômenos presenciados no dia a dia. Mas por quê as coisas são assim? Por quê essa ‘necessidade’ de ignorar coisas que dizem respeito tão intimamente a cada um? É aqui que precisamos tomar cuidado.
Há uma diferença grande entre a verdade e a capacidade de suportá-la. Se precisamos negar a existência de alguma coisa ou não reconhecer sua importância é porque estamos na verdade nos defendendo. É uma defesa interna que nos faz passar por cima dos fatos e não extrair deles a real configuração. E acabamos pagando o preço pela ignorância.
Vamos a um exemplo. João foi a uma cidade e ao caminhar por uma rua ele foi assaltado. Mais tarde, ao apresentar queixa na polícia foi perguntado se não sabia que aquela rua é famosa justo pelos assaltos. Foi só nesse momento que ele lembrou já ter sido alertado sobre o fato, mas ignorou aquilo que ouviu. Não é o melhor dos exemplos, mas serve para mostrar que sempre sabemos algo a respeito daquilo que nos acontece.
Nos relacionamentos isso se torna mais claro. Quantas vezes já ouvimos pessoas falando de seu arrependimento e surpresa com o parceiro por situações posteriormente vividas? Em geral, relatam que se tivessem prestado atenção a algumas características, muitas situações poderiam ter sido evitadas.
O mundo não é feito apenas de vítimas, mas também de pessoas que pagam o preço pelo seu ‘não querer saber’. E não se trata de saber ou perceber o outro, antes, é o saber de si que está em jogo e que interessa. A ignorância está menos naquilo que o outro é do que aquilo que constitui o ‘si próprio’. É preciso ficar esperto. É preciso ignorar menos.