Conhecida e acionada em diversos contextos, esta frase revela posições fixas sobre o que é ser homem e, em contrapartida, tudo o que não é.
O que ela significa hoje?
“Seja”, essa flexão imperativa do verbo revela que é justo do Ser que se trata. Para a mulher, convencionou-se perguntar o que ela deseja.
O que é ser homem? Ele é questionado em seu ser, na naturalização redutiva de formas validadas de condutas.
O que quer uma mulher? Ela é abordada de forma mais subjetiva, pelo seu desejo, enigmático sempre.
A redução masculina os define por serem aqueles que gostam de mulheres, as depreciam em alguma medida, gostam de futebol, tem apreço pelas armas de fogo, são agressivos e têm aversão a tudo o que é contrário a si.
Portanto o homem “tem que” e “deve ser”. Imperativos que há séculos constroem de formas repetitivas uma masculinidade reduzida a certas atitudes e que recalca tantas outras.
Mas, hoje já homens que falam em “desconstruir-se.” Que já suportam estar mais próximos dos modos contemporâneos de construção de identidades e mais distantes do mítico orangotango que inspirou a fantasia de um soberano onipotente e agressivo. Triste constatar que ele ainda anda por aí.
“Homem é tudo igual”.
Esta frase tem algum sentido, pronunciada em especial por todas que não são eles, revela que nessa igualdade todos são marcados por um sinal comum: a castração, uma marca simbólica que limita algo em seu ser.
Haveria um ser mítico, ancestral, que teria escapado à castração e ele seria tirânico, agressivo, teria todas as mulheres para si. É com esse ser mítico que todos os homens se identificam e muitos agem tal qual ele, sendo ciumentos, agressivos, dominadores, possessivos, superiores, infiéis, misóginos. É esse o homem em crise hoje.
As mulheres avançaram e eles já não sabem o que fazer consigo próprios.
Muitos se tornaram mais agressivos na tentativa de reafirmar seu poder.
- O que os homens pensam de si mesmos?
- Que medos sustentam suas práticas?
- Quais angústias se convertem em agressividade?
A agressividade desnuda o homem violento, aquele que sofreu violência e se identificou com o agressor, o homem medroso vítima da violência, o homem frágil que se mostra forte quando porta uma arma, o homem fetichista quando está de posse de algum objeto de poder.
Os objetos do mundo masculino podem representar uma forma mal disfarçada de compensação por uma virilidade perdida, as armas assumem aqui papel importante. A alegação de defesa só faz expor sua condição de vulnerabilidade identitária.
Seria um modo de deslocamento fálico? Trágico, pois então, ficam equacionados o gênero, a identidade e a violência.
Historicamente a manutenção da identidade masculina esteve (e está) associada à humilhação das mulheres e de todas as sexualidades que não são hétero.
O aumento da violência anda par e passo às perdas identitárias, seria uma tentativa de manter a frágil dominação?
Enquanto as questões sobre a feminilidade, o ser Mulher, a gozo feminino, são geradores de incontáveis discussões, livros e artigos, as questões sobre a masculinidade têm outra sorte, em geral afirmações de condutas cristalizadas, um tanto simples e quase sempre generalizantes, resultando no “homem é tudo igual”.
O que é ser homem
Hoje esse tema é mais complexo, há mais formas de “ser homem” nas sociedades contemporâneas, resultado das crises e críticas ao patriarcado, o avanço das lutas por igualdade de gêneros e a necessidade de desconstrução e reconfiguração de ideias e condutas hoje inaceitáveis.
Uma parte considerável do que antes definia o masculino, hoje é considerado crime; nesta lista estão o assédio, o estupro, a importunação sexual, o preconceito, o feminicídio.
O homossexual com aparência viril, que não construiu sua imagem a partir da identificação com a mulher, é um problema para o antiquado homem heterossexual. Ele revela que a questão toda não repousa nos estereótipos e sim no desejo. É confuso para ele haver um homossexual que goste de futebol ou mesmo que seja jogador, que tenha uma profissão antes dominada apenas por eles.
Talvez Freud hoje perguntasse, “afinal, o que quer um homem?”, questão antes apenas pensável para as mulheres.
O homossexual sempre incomodou os homens heterossexuais porque eles revelam uma verdade difícil de entender e aceitar neles próprios: a bissexualidade ou a possibilidade de, em ao menos uma fase da vida, poder desejar e identificar-se com os “dois sexos”.
Para escapar desse horror, que ainda traz vários homens angustiados ao consultório, o mundo dos homens passou a crer que afetos, sentimentos, tarefas domésticas, educação dos filhos, senso estético, eram características abomináveis, tendo que evitá-las, a ponto tal que essas evitações passaram a ser índices de masculinidade. Aproximar-se destas ‘tarefas” seria como aproximar um sorvete do maçarico!
Hoje, homens mais livres dessas cristalizações, podem andar nas ruas carregando a bolsa de suas esposas sem derreter sua identidade, enquanto elas carregam seu bebê nos braços. Todos conseguem? Quantos conseguem?
Hoje reconfiguram-se as identidades masculinas e já é possível aceitar sem escândalo que um homossexual seja pai e ocupe lugares onde antes eram exclusivos aos autodeclarados heterossexuais.
Somos seres em trânsito, o que éramos já não o somos (ainda que acompanhemos as lutas pelas permanências) e aquilo não nos sustenta mais. E o que seremos ainda é uma incógnita, não estamos nesse lugar ainda. Somos todos trans, trans formados por mudanças radicais na estrutura social, trans sexuais por nossa disposição às mudanças de sexo, identidade e gênero, trans culturais por sermos constituídos por informações vindas de todos os lugares do planeta, trans…
Se conseguirmos assumir nossa condição “em trânsito” talvez possamos permitir as desconstruções das camadas de cristalizações identitárias e nos tornarmos… seres melhores, só isso.