Sede do que não existe

Quando não somos detidos por nada, não podemos deter a nós mesmos. Além dos prazeres que experimentamos, imaginamos e queremos outros; se acontece já termos percorrido quase todo o círculo do possível, sonhamos com o impossível; temos sede do que não existe. Como a sensibilidade poderia deixar de exasperar nessa perseguição sem termo? (Émile Durkheim) 

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Quando li o parágrafo acima num livro, fiquei um pouco incomodado e achei que poderia dizer alguma coisa sobre isso. A Psicanálise por certo está alicerçada em pelo menos uma premissa ali contida. Essa inquietude própria do ser falante que o faz buscar sempre mais, sempre o a mais, aquilo que não se sabe existir, mas cuja esperança do encontrar propulsiona o mecanismo que leva adiante. Para onde? Não se sabe, temos apenas pistas. Alguns encontros sugerem a possibilidade. Até que o desencontro mostre que ainda não se tratava daquilo. É preciso tentar mais, continuar tentando, diz-se. É a desventura dos caminhos humanos. Cada qual na tentativa do encontro de seu desconhecido. 

A frase que me chamou atenção foi: temos sede do que não existe. Que ser estranho o humano! No entanto, nada mais verdadeiro já que o Real mostra que todo encontro se mostra faltante. E por assim ser, nada mais compreensível do que desejar o que não existe. Talvez esse desejo seja até mais fácil de suportar visto que o que existe e tem endereço já se mostrou insuficiente. O que nos define é o espaço de vazio onde nada pode ser colocado, espaço também em que a angústia encontra seu ninho sempre a agitar as asas, umas vezes produzindo doenças outras vezes produzindo as criações humanas. 

Espaços, assim somos constituídos. Sobre isso, Lacan já disse muito bem em vários lugares. Cito um: O sujeito é um aparelho. Esse aparelho é algo de lacunar, e é na lacuna que o sujeito instaura a função de um certo objeto, enquanto objeto perdido. A busca por esse objeto apaziguador é o nome que podemos dar a toda forma de busca. Sempre se busca alguma coisa da mesma forma que sempre não conseguimos dizer aquilo que buscamos. Diz Lacan referindo-se ao desejo: ele é elemento indeterminado, condição ao mesmo tempo absoluta e impegável, elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível, desconhecido, elemento que se chama desejo. Será que está no outro o preenchimento da lacuna que nos faz estar vivos? 

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