O que existe no mundo são diferenças. Sempre nos reportamos a algo comparando suas diferenças em relação a outras coisas. Socialmente lutamos por um ideal de igualdade que tem se mostrado um sonho impossível. O próprio nascimento já vem marcado por diferenças de cada um em relação todos os outros.
Seu corpo é único, suas experiências são únicas e sentidas de forma singular. Tamanha solidão faz com que à medida que o sujeito vai crescendo, começa a unir-se a certos grupos que lhe conferem uma idéia de coletividade.
Os grupos se formam a partir de algumas características em comum, objetivos partilhados em um determinado momento ou período. Suas características individuais (diferenças) acabam sendo deixadas de lado quando se faz parte de um grupo e o sujeito adquire características para (con)fundir-se nele. No entanto, sempre existirão grupos e pessoas diferentes, com idéias e formas diferentes. Há um tempo em que se descobre que existem sexos diferentes. Talvez essa experiência seja uma das mais importantes e a que marcará com mais força a vida de um sujeito.
Longe de ser uma decorrência natural na espécie humana, o reconhecimento das distinções sexuais é um processo de árdua elaboração e que nunca chega ao fim. Ninguém está sexualmente pronto. As diferenças no terreno da sexualidade, a descoberta da existência de dois sexos tem como efeito primeiro o surgimento de uma ameaça e o outro sexo é odiado por ser diferente. E, claro, hoje temos que dizer também da diferença de gêneros, que são muitos. Por não ser igual, o outro sexo é odiado até antes de ser desejado. Embora mais tarde essa distinção venha provocar a atração, a marca de uma diferença incômoda continua existindo. Fonte do preconceito, das lutas por direitos iguais, das piadas, das brigas, enfim, lugares onde subjazem vivas as marcas de uma ameaça.
As conseqüências dessa descoberta serão infinitamente diferentes para cada ser. Daqui surge entre outras coisas, a expressão ‘sexo oposto’. Oposto? Essa frase revela muito nas entrelinhas. O que fazer com essa diferença? Precisamos ficar muito bem atentos. Vemos justamente que não se inscreve a diferença. Constatamos movimentos defensivos de ambos os lados para que a diferença não se marque. É mesmo uma luta, uma guerra para o não reconhecimento do diferente, daquilo que se mostra não igual.
Basta um passeio nas manchetes dos jornais pelo mundo e isso fica comprovado. Sempre que alguém ou um grupo se mostra diferente, isso representa o outro sexo, outro corpo organizado e composto de forma diferente. Assim, torcedores adversários precisam de seu grupo de torcedores para sentirem-se iguais nele, ao mesmo tempo que precisam agredir os torcedores adversários por representarem a diferença. Quanto mais violenta for a forma de lidar com o diferente, menos o conceito de diferença se fez reconhecer, pois a DIFERENÇA em si já supõe que ela seja reconhecida e respeitada. Quando ela precisa ser combatida, estamos no registro da igualdade e aquilo que se mostra como diferente é julgado como inferior, impuro, desprezível, ameaçador, algo que deve ser massacrado.
Quanto menor for nossa capacidade de lidar com o diferente, mais estaremos mostrando nosso modo arcaico de estar na vida, mais disposto às guerras, tanto ideológicas quanto pessoais. Aplique-se esse raciocínio às questões da sexualidade e às lutas em nome da fé e vamos constatar quão arcaicos ainda somos, apesar do orgulho inflamado por tantas conquistas.