O Sujeito Contemporâneo e a Escuta

O Sujeito contemporâneo é fugidio, efêmero, passante, rápido, eufórico, melancólico, por vezes depressivo, consumista, muitos são excluídos, outros tantos entediados com a inclusão. Quer ‘ser feliz’ mas não tem muitas ideias sobre o que seja isso. É atravessado pela linguagem, constituído pela Cultura e pelas relações interpessoais. O que pensa em sua solidão? O que é a Cultura em que o sujeito contemporâneo está inserido?

Além de todas as realizações das quais somos capazes, também somos marcados por angústia, temos que enfrentar os revezes da vida, sofremos perdas importantes, reclamamos que algo nos falta, usamos a linguagem para tentar nomear nosso mal estar e estamos na busca de algo que diga que somos “felizes”.

O problema é que nunca encontramos, esse “algo” sempre foge de nós.

O sujeito de hoje é enfeitiçado pela mercadoria. Constitui-se no mundo dos objetos que prometem o prazer supremo (aquele que nos livraria da angústia). Em Psicanálise temos uma palavra/conceito para tratar desse tema: o Gozo. Os objetos do gozo. O objeto enfeitiçado age justamente nessa falta subjetiva.

Enganamos a nós mesmos por não perceber que os objetos deixaram de ser um produto estritamente humanos para tornarem-se objeto de adoração. Não compramos mais o real, mas sim a transcendência que determinado artefato representa. O uso intencional deste saber pode ser chamado de uma manipulação perversa.

O Professor Michel Aires de Souza da UFSCAR, diz que
“… a sociedade de consumo propicia uma fauna e uma flora de objetos e prazeres inimagináveis, mas também produz o esquecimento e a alienação sobre nossas próprias vidas. (…) as pessoas vivem vidas que não escolheram, se aferram a valores, crenças e modos de ser e pensar sem nunca refletirem sobre eles ou sobre suas escolhas. Os indivíduos não sabem o que querem e também não sabem o que sentem. Eles se comportam “de forma irrefletida”, apenas vivem para consumir, sem pensar no que consideram ser seu objetivo de vida. Eles ignoram o que realmente buscam, o que são, o que desejam, o que é relevante ou irrelevante para suas vidas. Viver na sociedade do consumo é viver num mundo atemporal e do esquecimento.” Também afirma que

“Nós, filhos da modernidade, somos espectadores de uma experiência que melhor se conceitua como fome, miséria, barbárie, guerras, desemprego, instabilidade econômica e social. Todos esses fatores geram a insegurança social no indivíduo e consequentemente são responsáveis pelas doenças psíquicas de nossa época.”

As fórmulas milagrosas do mundo contemporâneo que prometem a felicidade e a ausência de sofrimento são outra armadilha perigosa. Elas prometem curar o Sujeito daquilo que é incurável: a subjetividade, o pensamento, as palavras, o fato de que a vida não é tão ordenada, o fato de que a morte existe mesmo e que precisamos do recolhimento do luto para o psiquismo se reorganizar. Querem roubar de nós o direito à tristeza!

A beleza da vida não se encontra no marasmo, a vida não é uma linha reta, constante, sem desafios, sem perdas… Ao contrário, a Vida é desafio, envolve enfrentamentos, dificuldades, superações, construções de sentidos, alegrias, sensações, momentos de intenso prazer e momentos de fazer lutos por perdas. O incrível é que quanto mais acreditamos na tal felicidade plena, mais somos infelizes, doentes, usuários de drogas, medicamentos… (outros objetos de consumo dos dias atuais?) E o pior, parece que tudo que se contrapõe a tal felicidade, logo vira doença!

Escuto sujeitos derrotados por não conseguirem entender estas questões, por não conseguirem gozar tanto quanto lhe é exigido (internamente e externamente). Escuto sujeitos inibidos em sua ação, sem vontade, sem perspectivas, sem futuro. Escuto sujeitos que sofrem o drama de não conseguirem ter um Psiquismo sustentado em pilares firmes, que tem uma identidade que vacila a cada curva da vida. Escuto sujeitos empapuçados de drogas, objetos, remédios e crenças, já não mais enxergando um horizonte à frente. Escuto sujeitos identificados aos objetos e numa constante ameaça de serem esquecidos, substituídos, trocados, anulados, jogados fora. Escuto Sujeitos que atestam que a crise das relações é uma das marcas do nosso tempo. O outro deixou de ocupar o lugar do sagrado, foi coisificado tanto quanto o sujeito o foi. Escuto Sujeitos sem palavras, pois hoje a memória se volatiliza, não se constrói memória, perdemos a dimensão de que o humano é um ser histórico e que essa dimensão é fundamental para que o psiquismo se referencie.

O recurso à palavra, ao poder imenso de falar de si, de conseguir, através das palavras e de uma escuta, um acesso a outras verdades, ao trabalho no silêncio que possibilita a escuta de si a através dessa escuta, uma (re)construção de uma subjetividade, de um mundo interno mais possível…

A Fala e a Escuta arranjam um modo mais possível de lidar com a dor de existir, expressão do psicanalista Jacques Lacan, nos ajudam a transformar o sofrimento da angústia em força criativa, a apaziguar o Desejo insaciável, a realizar (viver) o possível, a melhorar a relação com corpo, a tornar possível as relações humanas com manos ódio e agressividade e com mais Amor… Depois disso, quem sabe poderemos voltar a falar sobre essa história de “ser feliz”. Antes não. Por falar em amor, reza a lenda que um cavaleiro dos tempos do Rei Arthur encontrou na pata de um falcão um manuscrito. Trata-se do Código do Amor Cortês. No item 29 diz: “O hábito muito excessivo dos prazeres, impede o nascimento do amor.”
Hoje a Depressão (nome contemporâneo do mal estar) e uma miríade de outros nomes de patologias assombram o Sujeito contemporâneo que se vê na iminência sempre angustiante de ser tragado (ou flagrado?) por alguma classificação patológica. Empobrecido em seu Universo Simbólico, o sujeito contemporâneo cai fácil como uma presa ferida nas garras dos discursos especializados em vender a doença e a saúde nas suas mais variadas fórmulas. Se antes as ciências Psi se preocupavam em curar os neuróticos para que pudessem produzir, hoje tristemente vemos que o projeto é o de curar os depressivos para que possam consumir.

A Psicanálise ainda resiste numa concepção de Sujeito que leva em conta o caráter simbólico, as tradições, a família, os laços, a constituição, a Cultura, o parentesco e principalmente o Inconsciente e a Linguagem como organizadores do mundo psíquico. E é nesta via que continua vendo o horizonte se alongando e persiste na aposta ‘salvadora’ para o Sujeito contemporâneo. A Clínica da Psicanálise ainda atesta a eficácia da Escuta. E, acreditem, essa eficácia pode ser para todos!

Com grande inspiração Maria Rita Kehl afirma que:

“A despeito dessa combinação de esforços pelo apagamento do psíquico, não são poucos os que chegam a uma demanda de análise depois de ter tentado, anos a fio, curar sua depressão por meio de tratamentos exclusivamente medicamentosos. Esses se queixam, com sinceridade, não suportar mais a desafetação e o automatismo de seu funcionamento “normal”… (…) Já não suportam o vazio e a insignificância de seu “bem estar”. (…) …“o bem-estar não é a cura, porque curar-se significa ser capaz de sofrer, de tolerar o sofrimento. Estar curado, desse ponto de vista, não é simplesmente ser feliz, é ser livre”. (grifo meu)

Curar um sujeito hoje não deveria ser simplesmente restabelecer a sensação de bem estar ou a exclusão de sintomas aparentes. Mas sim, uma fala que liberte este sujeito de sua incapacidade criativa, uma vez alijado por sua própria constituição e restabelecer sua potência criativa. Para isso, não tratá-lo como deficitário é uma primeira lição. Entender sua inibição como processo estrutural e constitutivo e não como uma patologia naturalizada, é a outra lição a aprender.

A fala pode produzir nele, de novo, a coragem tão necessária à vida, a coragem de desejar. A falta de sentido para a vida, tão presente nos discursos da clínica contemporânea, pode ser contraposta por uma via de produção de falas e discursos que conduzam o Sujeito à construção de uma representação de si (seu mito de origem) que o suporte enquanto Ser desejante, com tudo o que isso quer dizer.

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