Conta o mito que Narciso era filho de Céfiso, o senhor do rio e da Ninfa Liríope. Ninfas são divindades ligadas à água. Narciso será filho de duas entidades mitológicas ligadas à água. Liríope teve uma gravidez penosa e indesejável. Gerou Narciso, que ao nascer era tão belo que ficou assustada. Narciso foi reconhecido como o mais belo da humanidade.
Perturbada, ela vai em busca de Tirésias, um célebre sábio que tinha a capacidade da visão do futuro. Tirésias era cego. Narciso viveria muitos anos?, pergunta ela aflita. Tirésias então lhe disse: Se ele não ver a si próprio…
Quando chega à juventude, começam as paixões por Narciso. Todas as mulheres estavam irremediavelmente presas à beleza de Narciso. Havia uma em especial: a Ninfa Eco. Mas Narciso a rejeitara também. A doce Eco tinha chegado ao extremo em suas tentativas de entendimento com o jovem Narciso. Mas, por muito que o propusesse, nunca chegaria a iniciar uma conversa com este, pois o castigo que a deusa tinha imposto a Eco tornava impossível a comunicação por meio do verbo ou da palavra. O autor do mito, Ovídio, descreve assim a tentativa de diálogo entre Narciso e a Ninfa Eco:
Ora bem, quando Eco viu o Narciso ficou apaixonada por ele e o seguiu sem que ele notasse. Por fim decide aproximar-se dele e expor-lhe com ardente palavreado a sua paixão. Mas como é que podia fazer, se as palavras lhe faltam? Por sorte, a ocasião lhe foi propícia. Encontrando-se sozinho o mancebo, deseja saber por onde podem caminhar os seus acompanhantes e grita: Quem está aqui? Eco repete as últimas palavras: está aqui. Narciso fica maravilhado desta voz doce de quem não vê. Volta a gritar: Onde é que tu estás? Eco repete: ...tu estás. Narciso volta a olhar. Porque é que foges de mim? Eco repete: ...foges de mim. E Narciso: Juntemo-nos! Então, numa ocasião, enquanto caçava com os amigos, Narciso afasta-se deles. Cansado, procura uma fonte para saciar sua sede. Encontra a fonte de Tépsias e diante dela se curva para matar a sede. Ao debruçar-se sobre o espelho imaculado das águas Narciso viu sua imagem. Dessa forma, não pôde mais sair dali. Apaixonara-se pela própria imagem. Ali ficou e ali morreu. Mais tarde, quando procuraram-lhe o corpo, encontraram apenas um flor amarela cujo centro era circundado de pétalas brancas. Era o Narciso.
Há pelo menos três finais para o mito. Um deles diz que Narciso olhou sua imagem num rio enquanto bebia água e de tão maravilhado lança-se à água para fundir-se com a imagem e morre afogado.
Outra versão diz que ao se deparar com um espelho Narciso petrifica, vira uma estátua.
E ainda uma outra diz que Narciso fica parado diante de sua imagem definhando até sua morte.
Narcisismo é uma satisfação de ordem sexual pela imagem, essa marcante característica de os humanos poderem abordar a si próprios como objetos de adoração.
Amar a sua imagem. Isso explica muitas coisas, por exemplo, o fato de perder-se tanto tempo diante de espelhos. Aliás, vivemos num tempo em que a imagem ganha cada vez mais relevância. Acabaremos petrificados como Narciso? Ou morreremos pela inércia causada pela adoração de nós mesmos? Acompanhamos a todo momento um bombardeio de ofertas que servem para realçar a importância da imagem, quer se apresente nas academias de ginástica (esses templos de Narciso), quer no surgimento dos cosméticos milagrosos ou ainda nas passarelas da moda. Tudo pela imagem e tudo para fazer da imagem o que há de mais importante.
O engano que se comete vai no sentido do esquecimento de que a imagem é um recobrimento e que existem muitas coisas por detrás dela. Há toda uma subjetividade humana que não pode ser desprezada. Porém, fica-se na imagem, no espelho.
Ser narcísico é condição essencial para o ser humano. Não vamos pensar que se Narciso morreu por admirar sua imagem, então o narcisismo é uma patologia. É o grau, a quantidade que vai ser importante diferenciar para cada pessoa. O narcisismo é absolutamente necessário na estrutura do aparelho psíquico.
Ele é uma defesa no sentido de dar ao Eu (ou ego) uma unidade imaginária. Por isso a necessidade de confirmação diante do espelho, pois a cada vez que a imagem recebe uma ameaça, o sujeito logo se angustia. O que quer dizer isso? Quer dizer que a imagem que o sujeito tanto preserva de si próprio precisa ser confirmada a todo momento no mundo externo.
Vou complicar um pouco as coisas. Quem faz o lugar do espelho é o outro, o semelhante. Então, nestes casos o sujeito precisa que o outro lhe devolva uma imagem de si que seja perfeita. Isso pode se dar de muitas formas, tais como, o vestir-se para o outro, o receber do outro um elogio, do apresentar-se como o bom, o generoso, etc. Já pensaram que o ato de vestir-se bem é ofertado aos olhos do outro? Pois é, mas quem se satisfaz com isso é aquele que se veste. Isso é o Narcisismo: ver-se e satisfazer-se através do olhar do outro.
E o mais surpreendente de tudo isso é que essa satisfação é de ordem sexual. O problema é quando se busca uma satisfação sexual pela imagem e na hora em que o corpo se apresenta o sujeito não sabe o que fazer. Quando apenas a beleza é importante, o corpo reclama com formas de manifestação estranhas.
O narcisismo é uma força que se consome e precisa ser abastecida freqüentemente e que todo exagero gera desequilíbrio, podendo chegar à doença.