Tenho escutado muitas mulheres reclamando dos seus filhos. Quem reclama dos filhos? As mulheres ou as mães? Causa surpresa essa divisão mãe/mulher? Estas reclamações em geral são localizadas nos cuidados que eles requerem, no fato de ter de alimentá-los. Elas reclamam do seu relaxo, de não guardarem as coisas nos lugares certos, de brigarem entre eles, de ter de levá-los a certos lugares, de esperá-los quando saem de casa. As reclamações são muitas. E para elas os filhos são o protótipo da ingratidão, que se expressa em frases como: perdi tantas noites de sono e agora eles fazem isso….
Pura chantagem. E coitados daqueles que caem nessa. Essas relações familiares poderiam ou deveriam se estruturar de forma menos doentia, com menos cobranças, sem dívidas (impossíveis de pagar, diga-se).
Para muitas mães, os filhos são depositários da esperança de uma plenitude, de uma imagem de felicidade que a maternidade alcançaria. Isso chega a ser um posicionamento sexual. O que ocorre é que os filhos acabam por ser colocados no lugar do pai, tendo que assumir a tarefa de dar a ela aquilo que o pai não foi capaz de dar.
Isso é um problema sério. Os filhos não podem fazer isso, embora a cobrança para que o façam seja grande. Tentam, mas não conseguem. Não se sabem tentando fazer esse papel, mas a culpa faz com que precisem cumprir junto a ela essa função de fazê-la feliz. Essa é a verdadeira Missão Impossível. De um lado a cobrança por uma dívida que nunca existiu (o desejo de TER o filho é dela), por outro a tentativa de pagar essa dívida que acredita ter de assumir. Impossibilidade de um lado e do outro. Será disso que elas reclamam? Será por isso que os filhos são alvo de reclamações?
Voltemos à pergunta acima: quem reclama, a mulher ou a mãe? A mulher tem maior possibilidade de suportar alguns impossíveis, tais como o fato de que não será o filho o agente de sua ´felicidade´. Já a posição materna pode se tornar em alguns casos uma função devoradora de cobranças, dívidas, ingratidões, angústias. As novelas e os romances familiares estão fartos de situações onde isso se apresenta. Quanto ainda temos a caminhar para a compreensão da complexidade das relações humanas? Quantas fantasias, mentiras, enganos, armadilhas elas podem abrigar?
É claro que há também do lado dos filhos uma tendência a deixar as coisas como estão, não sair do lugar e, acostumados que estão no seu lugar de filhos, não aceitam de bom grado as provocações para remarem o próprio barco. O que é preciso tomar cuidado para não se enganar é no seguinte: achar que os filhos passam a ser os vilões da história, uma história que, aliás, sequer tem vilões.
Não se trata, portanto, de encontrar culpados e responsáveis pelas mazelas da vida familiar. Antes, trazer para questionamento que função subjetiva cada um está ocupando. A configuração de um sistema, ou seja, o modo como um sistema de pessoas funciona, mostra claramente que cada um tem sua parcela de satisfação, de ganhos e também de perdas e frustrações.