A criança

Quem pode dizer o que é ser criança?

Ela sempre existiu? 

Se hoje parece comum pensar na diferença entre adultos e crianças, é bom saber que nem sempre foi assim. A criança é uma construção histórica! Antes a tratávamos como um pequeno adulto. Depois começamos a dividir em camadas e idades e estas separações formam criando significados novos.

Hoje temos idades, fases… e classes escolares que vão do berçário 1 e 2, maternal 1,2, e 3, educação infantil, jardim 1, 2, e 3, pré-escolar, ensino fundamental 1 e 2 e por aí vai… até que novos estratos venham a surgir. E acabamos assim: recém-nascidos, bebês, crianças, idade pré-escolar, até que nos largam nas portas incertas da pré-adolescência e da adolescência. 

Crianças Brincando

Hoje vemos crianças cada vez mais espertas, inteligentes e bem informadas – o que pode ser bom sob alguns pontos de vista – mas também crianças chamadas muito precocemente a entrar nos códigos da vida adulta, a partilhar dos modos de fazer e satisfazer-se com os ‘brinquedos’ dos adultos. 

Considero estranho o orgulho dos pais ao se exibirem pelos feitos de seus filhos que, com poucos meses de vida, já sabem tudo do funcionamento do aparelho celular, “sabem mexer melhor do que eu”, dizem. 

A criança organiza o mundo brincando. E brincar é coisa séria. Me pergunto sempre sobre a qualidade simbólica dos brinquedos de hoje. Achava muito bom os brinquedos que incluíam o outro na brincadeira. Brinquedo deve ser mediador de relações e não um fim em si. O celular é um fim em si. Ele não coloca a criança em relação com outro ser. É o aparelho quem brinca com a criança. 

Faz pior, produz uma descarga prazerosa, viciante, uma profusão de imagens e sons que capturam a atenção e submetem a vida emocional da criança a uma dependência de estímulos, condenam à repetição. Com esses ‘brinquedos’ não é preciso negociar, não é preciso esperar para brincar, não é preciso aceitar as regras partilhadas com o outro, tudo é possível, afinal, com ele o outro está excluído. 

Mas a criança precisa da experiência da alteridade para se constituir e se identificar. 

O autismo virou diagnóstico fácil. Se entendemos o autismo como uma dificuldade de construção da alteridade, da construção do Outro que apresenta limites, que frustra, que inclui uma lógica complexa, não é de se espantar a tão grande manifestação desse ‘diagnóstico’, um reflexo contingente de práticas culturais – lógica do consumo, declínio da subjetividade – às quais nos submetemos com pouco pensamento crítico. Ficamos tão hábeis com prazer reduzido à ponta dos dedos que acabamos com imensas dificuldades em sociabilizar, em estar com o outro. 

Criança brincando fantasia e imaginação

A criança precisa experimentar a vida, elaborar estratégias complexas baseadas na fantasia para trazer até si o objeto que lhe falta. E isso leva um tempo, tempo da suportabilidade psíquica da ausência do objeto. É neste tempo que a fantasia e o imaginário vão enriquecer o mundo interno. 

Para fantasiar, é preciso que algo falte, é a ausência de algo que faz surgir o desejo e possibilita o acionar da fantasia. Se muito lhe é dado e facilitado, pobres ficarão as estratégias. Se o comum é ter tudo, um pouco que falte será suficiente para desesperar-se.

Respeitar a criança não é lhe dar tudo!

Respeitar a criança não é orgulhar-se narcisicamente com ela.

Mas sim, acima de tudo, respeitar seu tempo, permitir o brincar criativo, ter tempo para a escuta dos dramas que ela está vivendo (sim, crianças também tem seus dramas!) e valorizar suas conquistas. 

Em vez de investir demais na autoestima, vamos investir muito mais na autoconfiança. Em algum momento no futuro a criança de hoje vai agradecer esse investimento!

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